Em janeiro de 2024 foi promulgada a Lei nº 14.811 de 2024, que dentre outras medidas, alterou o Código Penal Brasileiro para incluir o tipo penal que criminaliza as condutas denominadas bullying e cyberbullying.

O crime de bullying se configura quando uma ou mais pessoas intimidam sistematicamente um determinado indivíduo ou grupo, mediante violência física ou psicológica de modo intencional e repetitivo, sem motivação, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação, com ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológica, físicas, materiais ou virtuais.

Esta conduta é punida com pena de multa e NÃO PREVÊ PENA DE PRISÃO, salvo se o ato ilícito não constituir em um crime mais grave.

Na minha opinião, a criminalização do bullying é redundante, em razão da existência outros crimes que tipificam condutas semelhantes ou análogas, por exemplo: crimes contra a honra (calúnia, injúria, difamação), crime de ameaça, crimes contra a dignidade sexual, racismo, stalking, além da contravenção de vias de fatos, dentre outras.

Ademais, além de criminalizadas em outros tipos penais já vigentes, temos que o melhor caminho para resolver conflitos desta natureza, seria a esfera cível, através de ações indenizatórias pelos danos causados em razão das práticas de intimidação.

Inclusive recentemente o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, condenou os pais de uma adolescente em uma indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil reais, em virtude de a filha ter exposto de modo vexatório uma outra colega, em um grupo de mensagens da escola.

Neste caso, o direito civil resolveu o conflito.

No entanto, em nosso entendimento, quando se trata de cyberbullying, as condutas devem ser penalizadas por conta da sua gravidade quando realizadas por meio da internet, principalmente em redes sociais, aplicativos, jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou ainda transmitida em tempo real.

Isto porque, o alcance e a propagação das condutas criminosas têm um potencial lesivo muito maior, pois expõe a vítima exponencialmente, tanto que a lei pune essas condutas com pena de reclusão de 2 a 4 anos de prisão, e multa, quando os atos ilícitos não constituírem em crimes mais graves.

Não é por acaso que o legislador se preocupou em penalizar de forma mais severa as condutas praticadas no âmbito da internet. É que segundo a reportagem do portal de notícias UOL(Clique Aqui), em 2023 foram registrados mais de 10 mil casos de cyberbullying por mês no Brasil, atingindo o expressivo número de 121 mil casos no ano, enquanto no ano de 2010 foram registrados um pouco mais de 19 mil casos.

O que a vítima deve fazer quando sofrer cyberbullying?

Primeiro, é preciso esclarecer que ainda que a lei tenha sido criada com o objetivo de proteger crianças e adolescentes, ela não se limita a elas, podendo ser aplicada quando as vítimas forem adultas.

Antes mesmo de ir até uma delegacia ou até mesmo registrar o Boletim de Ocorrência de forma online (alguns Estados permitem essa modalidade de registro), a vítima deve ter em mãos as provas das agressões, caso queiram aumentar as chances de os agressores serem condenados pelos crimes praticados.

As pessoas de modo geral pensam que basta fazer um “print” de telas ou downloads de vídeos, fotos e áudios para que o material possa servir como prova no processo penal. Ledo engano!

É que nos dias de hoje, principalmente com o avanço da Inteligência Artificial e softwares de edição, é possível manipular provas digitais com uma assustadora facilidade, principalmente quando se trata de textos extraídos de aplicativos de mensagens, mas também adulteração de voz e imagem.

Por isso é preciso ter cuidado ao extrair os dados das provas no âmbito digital, pois é essencial para a sua validação, que seja detectado a origem dos dados, quando eles foram produzidos (local, data e hora), e até mesmo o agressor, mesmo sendo perfil fake. Tudo isso é possível, pois em se tratando de internet, não existe anonimato, ainda que muitos ainda pensem o contrário.

A maneira mais comum de validar um conteúdo extraído da internet é através de uma Ata Notarial, que nada mais é do que um instrumento público, onde o tabelião irá verificar e certificar a existência de um texto, imagem, vídeo que esteja ativo na internet, bem como hora e dia da postagem, teor do conteúdo e o perfil, conta ou site onde está o conteúdo. Você pode fazer isso de forma presencial, indo até um tabelionato ou remotamente pela plataforma e-Notariado.

A Ata Notarial servirá como importante prova indiciária, que facilitará o trabalho da polícia e Ministério Público para identificar os agressores, já que na maioria das vezes as ofensas são postadas em perfis fakes, mesmo que o perfil ou site tenha sido excluído após as propagações do cyberbullying, pois existem diversas ferramentas de perícia forense capazes de rastrear dados e identificar usuários.

Nos casos de mensagens em grupos de WhatsApp, ambiente digital propício e bastante comum para as condutas de intimidação que caracterizam o cyberbullying, além da Ata Notarial é possível fazer a extração dos dados das conversas, de forma segura para determinar quem encaminhou as mensagens e quando foram enviadas e recebidas.

Com essas provas a vítima poderá ir até a delegacia de polícia ou registrar o Boletim de Ocorrências e denunciar o crime de cyberbullying, expressando a vontade de representar o crime, uma vez que a ação penal competente é a pública condicionada à representação da vítima, ou seja, o Ministério Público só irá processar em caso de representação.

Se a vítima for criança ou adolescente menores de 18 anos de idade, deverão estar representadas na delegacia, pelos pais ou tutores responsáveis.

É claro que a diminuição da incidência de crimes dessa natureza não acontece somente em razão da punição com penas de prisão e multa, mas sim é preciso um esforço da sociedade para educar e preparar os jovens, ensinando valores sólidos de respeito a individualidades, personalidades e diferenças. Só assim conseguiremos um avanço civilizatório significativo nas relações humanas.

Enquanto isso, a lei, apesar de imperfeita, serve como instrumento de coerção estatal na tentativa de pelo menos deter o crescimento da prática do crime de cyberbullying, com a certeza de que a cooperação da própria vítima é providencial para a elucidação dos casos, principalmente na produção das provas iniciais que deverão embasar o registro do Boletim de Ocorrência, ainda na fase policial.