A audiência de custódia foi incorporada ao Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019 popularmente chamada de “Pacote Anticrime”.
No entanto, há previsão para esta audiência desde muito antes. O próprio art. 7ª do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é aderente, traz em seu texto a necessidade do preso ser apresentado a um juiz de direito até 24 horas após a efetiva prisão. Veja que o Pacto de São José foi ratificado pelo Brasil em 1992!
Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça, pela Resolução 213/2015 determinou que toda a pessoa presa em flagrante delito teria que ser apresentado a uma autoridade judiciária (juiz) em até 24 horas, para que fosse ouvida as circunstâncias em que ocorreu a prisão.
A referida Resolução entrou em vigor em 01º de Fevereiro de 2016, no entanto, como esperado ela não foi cumprida de pronto, havendo muita resistência dos juízes e autoridades policiais para dar cumprimento à normativa.
As razões? As mais variadas possíveis, mas o argumento mais forte para o não cumprimento era como sempre, a escassez de recursos humanos e físicos para atender a demanda de presos em flagrante.
Pois bem, com o “Pacote Anticrime”, houve esse avanço e a audiência de custódia deixou de ser uma mera recomendação do CNJ e passou a ser lei federal, ou seja, a sua aplicabilidade pelas instituições é obrigatória. O texto legal está esculpido no art. 310 do Código de Processo Penal.
O que o juiz leva em consideração ao presidir a audiência de custódia?
Uma das mudanças trazidas pela lei é que o juiz que presidir a audiência de custódia, ao verificar que o preso é reincidente ou integra organização criminosa ou milícia armada, ou que porta arma de fogo de uso restrito, automaticamente NÃO CONCEDERÁ A LIBERDADE PROSVISÓRIA, com ou sem medidas cautelares. Ou seja, na prática, a prisão preventiva que era uma exceção, virou regra neste dispositivo, caso o preso seja integrante de organização criminosa ou esteja portanto arma de fogo de uso não permitido no momento da prisão.
E como o juiz sabe se o preso é reincidente ou integra organização criminosa?
É que antes do preso ser apresentado para a audiência de custódia, o juiz receberá através do SISTAC, que é um sistema de informações integradas, todas as informações do preso, não só relativo a prisão, mas informações pregressas que estejam no sistema.
Essas informações ajudarão o juiz a entender um pouco sobre o perfil daquele preso, em conjunto com a entrevista no ato da audiência de custódia.
No entanto, se observar que o preso cometeu o delito em legítima defesa, estado de necessidade e no cumprimento do dever legal, poderá ser concedido de pronto a LIBERDADE PROVISÓRIA, condicionada a apresentação obrigatória em todos os atos processuais.
Outra mudança significativa é que a autoridade policial, que sem motivação idônea deu causa a não realização da audiência de custódia no prazo legal de 24 horas, deverá responder legalmente por esta omissão, nas esferas administrativa, cível e penal.
Aqui chamo a atenção para o crime de abuso de autoridade, caso haja uma proposital omissão quanto ao direito do preso de ser apresentado a autoridade judiciária no prazo de 24 horas, após o recebimento da prisão em flagrante.
Observa-se que o prazo de 24 horas para a apresentação conta do recebimento da prisão em flagrante pelo juiz.
Por fim, a prisão será considerada ilegal se o preso não for conduzido à autoridade judiciária no prazo legal, sem que haja uma justificativa plausível para isso.
No dia a adia da advocacia criminal, infelizmente é normal que presos em flagrante fiquem dias presos em delegacias, sem ser apresentados na audiência de custódia. Essa é uma realidade que não adianta esconder. O nosso sistema não funciona perfeitamente.
O principal propósito da audiência de custódia é de averiguação pelo juiz das condições da prisão, verificando se a mesma ocorreu dentro da legalidade, se não houve tortura ou violação de direitos do preso ou se as circunstâncias da prisão foram legais.
Muito embora já tenha melhorado muito, ainda persistem algumas práticas ilegais no momento da prisão, como agressões físicas desnecessárias, privação do direito a ter um advogado presente no ato da lavratura da prisão em flagrante, ausência de comunicação de familiares, produção ilícita de provas. Estas são as mais comuns.
Por esta razão é feita a audiência de custódia, ainda que na prática, invariavelmente se adentre ao mérito, (o que é vedado pela lei) o objetivo principal é averiguar se foram preservados os direitos constitucionais e processuais do preso.
E como funciona ou deveria funcionar na prática?
Após a lavratura do auto de prisão em flagrante, o preso deve apresentado em até 24 horas a autoridade judiciária, onde deverão estar presentes o Ministério Público e o advogado de defesa (constituído ou defensor público). Em regra esta audiência deverá ser feita presencialmente.
No entanto, se no caso concreto o preso em flagrante estiver gravemente doente e impossibilitado de ser conduzido à presença do juiz, a audiência deverá ser realizada no local em que se encontra.
Se o advogado particular for constituído durante a lavratura do prisão em flagrante, o delegado de polícia deverá notificar este advogado para que compareça a audiência de custódia.
Antes do início da audiência o juiz deverá conceder ao preso o direito de conversar com o seu advogado ou com o defensor público presente, em local reservado.
A audiência de custódia após acontecerá após a conclusão do auto de prisão em flagrante e o castro do preso no SISTAC, onde estará cadastrado todas as informações do acusado.
Ao iniciar a audiência normalmente o magistrado explica ao preso o que é a audiência do custódia, e após passa a entrevistá-lo sobre as circunstâncias da prisão, sobre o tratamento que recebeu dos policiais e dos agentes desde a prisão até a audiência de custódia.
O juiz não deverá fazer perguntas com a finalidade de produzir provas quanto ao mérito processual, mas sim somente sobre as circunstâncias da prisão.
Após a formulação de perguntas ao preso, o juiz dará a palavra, nesta ordem, ao Ministério Público e ao Defensor Público ou Advogado particular constituído pelo preso, que deverão fazer preguntas estritamente sobre as condições da prisão. Será facultado ao advogado de defesa o requerimento da liberdade provisória quanto for o caso.
Se o juiz verificar que houve tortura ou maus tratos ao preso, deverá tomar as medias que entender cabível.
Encerrada a audiência o juiz mandará lavrar a ata e alcançara uma cópia ao preso e seu advogado e ao promotor público que estiver presente.
É importante dizer que o juiz poderá ou decretar a prisão preventiva ou conceder a liberdade provisória na audiência, por isso é um ato tão importante.
Por fim, essa ata de audiência será apensado o Inquérito Policial que poderá dar origem ao processo criminal que o preso responderá.
A audiência de custódia é um avanço no nosso Sistema Criminal, pois oportuniza que não seja violado nenhum direito constitucional e processual no momento da prisão, assim como oportuniza o direito de construir a sua defesa desde o início, mesmo que a audiência não tenha por objetivo a discussão material do crime em tese praticado.
No entanto, se houver uma boa audiência de custódia conduzida com zelo profissional por todos, haverá uma chance maior de concessão de liberdade provisória, saneamento de ilegalidades, sem precisar trilhar o caminho do Habeas Corpus que é sempre mais demorado.
Antes da audiência de custódia, o preso era encaminhado para o presídio, o auto de prisão ia para o juiz que decidia ou não pela legalidade da mesma, porém sem maiores elementos, para daí sim decretar a prisão preventiva ou conceder a liberdade provisória. Caso fosse decretara a prisão, o advogado ou defensor entraria com o competente Habeas Corpus para o Tribunal competente e o mesmo aguardaria no mínimo uns 2 ou 3 meses para ser julgado pelo colegiado.
Com a audiência de custódia há uma chance real do preso ser solto em liberdade provisória, desde que não preencha aqueles requisitos previstos no novo art. 310, § 2º do Código de Processo Penal, descritos no início deste artigo.