A exploração de jogos de azar está previsto no art. 50 do Decreto-lei 3.688/41, portanto é conduta tipificada como contravenção penal há mais ou menos 78 anos.

O hábito do jogo de azar faz parte do dia a dia de grande parte da população brasileira que invariavelmente faz sua “fezinha” semanalmente, seja pelo jogo do bicho (o mais popular), ou pela loteria federal, ou ainda pelas máquinas caça- níqueis.

Na década de 90 as casas de bingos funcionavam legalmente nos grandes centros do país, empregando milhares de pessoas, além de gerar receita para o Estado através do recolhimento de impostos.

No entanto a partir da sua proibição, os jogos de azar tornaram-se clandestinos, alavancando os lucros de quem explora a sua prática, pois deixaram de recolher tributos e pagar direitos trabalhistas a seus colaboradores.

O Estado, através de reiteradas operações e forças-tarefas tenta sem sucesso extinguir a prática do jogo de azar, gastando milhares de reais em esforços inócuos, abarrotando o poder judiciário de processos que efetivamente não dão em nada.

Isto porque, tratando-se de uma contravenção penal com pena máxima prevista de 1 ano de prisão simples, ou seja, a pena é passível de ser substituída por restritivas de direitos e em muitos casos, como a contravenção é processada pelo rito do Juizado Especial  Criminal, acaba o autor do fato, fazendo a transação penal, arquivando assim o feito.

Pois bem, ciente da popularidade dos jogos de azar e da ineficácia da tentativa de punição dos agentes exploradores, o judiciário gaúcho vem mudando o seu entendimento quanto a tipicidade da conduta prevista no art. 50 do Decreto-lei 3.688/41, pois há aceitação da sociedade quanto a pratica desta modalidade de jogo.

No mesmo sentido, há todo um viés constitucional que viabiliza a descriminalização da conduta, desde a aplicação do principio da proporcionalidade até a minimização da lesividade do bem jurídico tutelado.

A jurisprudência assentada nas Turmas Recursais Criminais do Rio Grande do Sul é uníssona quanto a atipicidade da exploração do jogo de azar, justificando esse entendimento através de uma verdadeira aula de história sobre a exploração de jogos de azar no Brasil, além de uma valorosa lição constitucional sobre o tema.

JOGOS DE AZAR. EXPLORAÇÃO DO JOGO DO BICHO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1- Caso em que apreendidos com o réu, em decorrência de cumprimento de mandado de busca e apreensão, registros de apostas e objetos utilizados na exploração do jogo do bicho. 2- A exploração de jogos de azar é conduta inserida no âmbito das liberdades individuais, enquanto direito constitucional intocável. Os fundamentos da proibição que embasaram o Decreto-Lei 9.215/46 não se coadunam com a principiologia constitucional vigente, que autoriza o controle da constitucionalidade em seus três aspectos: evidência, justificabilidade e intensidade. Ofensa, ainda, ao princípio da proporcionalidade e da lesividade, que veda tanto a proteção insuficiente como a criminalização sem ofensividade. Por outro lado, é legítima a opção estatal, no plano administrativo, de não tornar legal a atividade, sem que tal opção alcance a esfera penal. RECURSO PROVIDO. (Recurso Crime Nº 71008136566, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luis Gustavo Zanella Piccinin, Julgado em 28/01/2019)

Da mesma forma, está em tramitação no Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Min. Luís Fux, o RE 966.177, que irá decidir sobre a proibição dos jogos de azar no Brasil a luz da Constituição Federal.

Segundo o Min. Fux: “a questão é controvertida e envolve matéria constitucional relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, ultrapassando os interesses subjetivos da causa, por isso merece reflexão do STF”.

Ainda, o Ministro afirma que o entendimento das Turmas Recursais Criminais do Rio Grande do Sul é unânime ao afastar a atipicidade da exploração de jogos de azar, levando-se a crer que esta prática deixou de ser lesiva à sociedade gaúcha, passando a ser amplamente aceita.

O nosso entendimento é de que a descriminalização do jogo de azar é perfeitamente cabível no contexto atual. Não esqueçamos que a supracitada contravenção é quase uma octogenária e está descompassada com a sociedade atual que não só tolera a prática dos jogos de azar, mas tem o hábito enraizado no seu cotidiano.

A legalização deste tipo de jogo criará mais empregos formais, além de enriquecer os cofres públicos através do recolhimento de tributos e desengessar os Juizados Especiais Criminais com processos que definitivamente não atingem o seu objetivo, a não ser contribuir para os gastos públicos.

Por fim, é uma falácia dizer que os jogos de azar servem para lavar dinheiro proveniente de outros crimes como tráfico de drogas, por exemplo. Essa, pelo menos, não é a realidade do Estado do Rio Grande do Sul, sendo que o discurso para a criminalização do jogo de azar é vazio e ultrapassado, dissonante da atual sociedade que, mais uma vez, não só tolera a prática do jogo, mas faz dele parte do seu cotidiano.