Audiência de custódia
A audiência de custódia foi criada em 2015 pela Resolução 213 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomendando que todas as pessoas presas em flagrante fossem levadas à presente de um juiz, em um prazo de 24 horas.
É preciso dizer que no início houve muita resistência por parte dos magistrados em cumprir essa recomendação, principalmente nas comarcas do interior onde em muitos casos há apenas uma vara judicial, e consequentemente um juiz, que poderia achar inconveniente ter que fazer uma audiência de custódia em pleno fim de semana ou durante um feriado, como o carnaval, por exemplo.
Com a reforma trazida pela chamada “Lei Anticrime”, a audiência de custódia foi incorporada à legislação processual penal. Hoje, pela força do art. 310 do Código de Processo Penal, a autoridade policial é obrigada a apresentar o flagrado perante um juiz no prazo de 24 horas, sob pena de inclusive responder pelo crime de abuso de autoridade.
Caso não haja a realização da audiência de custódia no pra prazo legal de 24 horas, sem uma justificativa idônea, a prisão se tornará ilegal, flagrante será relaxado e consequentemente será concedida a liberdade ao preso.
Pois bem, mas para que serve uma audiência de custódia e quais os limites do juiz neste ato jurisdicional?
Não há como não reconhecer a evolução e melhoria institucional das forças de segurança pública quando o assunto é tortura e violação de direitos fundamentais, pelo menos do Estado do Rio Grande do Sul, onde a nossa militância na advocacia criminal é mais presente e por isso podemos testemunhar essa evolução.
Felizmente, há uma nova geração de policiais, principalmente na esfera da polícia judiciária, que estão mais atentos ao cumprimento da ordem constitucional e da sua importância para o próprio trabalho policial.
Porém, seria ingenuidade acreditar que foram totalmente abolidas as prática odiosas de tortura e excessos de força policial, herança dos anos de chumbo, que aparentemente deixou saudades para alguns que, por ignorância ou dissimulação, acreditam que vivíamos anos dourados naquela sombria época, que jamais deve retornar!
Com o objetivo de coibir as eventuais ilegalidades praticadas no momento da prisão em flagrante, foi engenhada a audiência de custódia, que tem como principal missão analisar se a prisão foi executada dentro dos limites legais e constitucionais.
É incabível ao magistrado que preside a audiência de custódia fazer qualquer análise de mérito sobre o crime em tese praticado pelo preso, assim como deve se abster de colher qualquer tipo de prova relacionado ao delito.
Na audiência, o magistrado deve se ater sobre a legalidade ou não da prisão, se há indícios mínimos de autoria, se as garantias constitucionais do preso foram respeitadas e se não houve excesso de força no ato da prisão.
Havendo pedido de prisão preventiva, formulado pela autoridade policial, Ministério Público, cidadão que efetuou a prisão (lembrando que qualquer um do povo pode dar voz de prisão em flagrante) ou da vítima do suposto crime, o juiz deverá analisar o pedido e decretar a prisão preventiva se constatar estarem presentes quais dos requisitos legais previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.
Caso o magistrado não encontre razões para decretar a prisão preventiva, deverá lavrar o flagrante e conceder a liberdade provisória do preso, imediatamente.
Estes são os exatos limites do juiz ao presidir a audiência de custódia, não devendo converter prisão em flagrante em prisão preventiva de oficio, pois tal ato passou a ser incompatível com a nossa legislação processual.
Entendo importante relembrar esses conceitos, pois na última semana foi amplamente noticiado o caso do Deputado Federal Daniel Silveira, que foi preso em flagrante pela ordem do Supremo Tribunal Federal que referendou o mando de prisão emitido pelo Min. Alexandre de Moraes, em decorrência de atos atentatórios contra a democracia, perpetrados pelo deputado.
Longe, de debater quaisquer ideologias partidárias, ou os delitos, em tese cometidos pelo parlamentar, entendemos que tanto a prisão em flagrante, quanto a prisão preventiva decretada na audiência de custódia foram ilegais.
A primeira, por ter sido ato praticado de oficio por um magistrado (Min. Alexandre de Moraes),que exerceu um verdadeiro papel de acusador e juiz ao mesmo tempo, muito embora, não se olvide se tratar de caso complexo, onde o próprio juiz é a vítima.
A segunda, prisão preventiva decretada de oficio pelo juiz que presidiu a audiência de custódia, foi determinada sem o devido requerimento, exigido no art. 311 do Código de Processo Penal.
É de se frisar que a prisão referendada pelo Pleno do STF foi a prisão em flagrante e não a preventiva, assim como não se tem notícias de que a autoridade policial ou o procurador federal tenha requerido a prisão cautelar.
Na minha opinião o caso foi tratado com perigosa exceção que poderá abrir precedentes para casos menos rumorosos, contribuindo e muito para que magistrados de piso se sintam a vontade para exceder os limites legais da sua atuação nas audiências de custódia, país afora.
Fiquemos atento!