Parece mais um absurdo jurídico inventado por algum juiz rançoso, reducionista e fomentador do punitivismo que vem aflorando no País, avesso às garantias constitucionais, que tem como único objetivo de vida condenar todo e qualquer réu que teve o azar de se submeter a jurisdição de Sua Excelência.  Não, pera aí…na verdade há previsão legal para a condenação criminal imposta mesmo que o Ministério Público postule a absolvição do réu, e o dispositivo é o art. 385 do Código de Processo Penal.

Art.385 – Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

Por sua vez, ao julgar o AgRg no REsp 1612551/RS e o HC 350.708/SC o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o art. 385 do CPP foi recepcionado pela Constituição, fundamentando o decisum com base na independência do juiz para julgar, afinal o magistrado deverá fundamentar a sua decisão livremente conforme o seu convencimento diante as provas produzidas no processo.

No entanto, mesmo com base na lei e com o respaldo do STJ, ainda assim parece ser um contrassenso o magistrado não acatar o pedido de absolvição do titular da ação penal pública incondicionada, no caso o Ministério Público.

Isto porque, no sistema penal acusatório (o brasileiro) cabe ao Ministério Público provar os fatos narrados na denúncia e quando esta prova não é constituída, cabe ao Promotor pedir a absolvição do réu.

Ora, se o próprio titular da ação, o Promotor de Justiça (e veja bem que não estamos dizendo aqui Promotor de Acusação, pois efetivamente não o é), se dá conta que os fatos narrados na Denúncia não são crimes ou se convence, após a colheita de provas de que o réu não incorreu em ilícito penal, é seu dever pedir a absolvição pois está assim cumprindo com a premissa institucional de promover a justiça.

Para o Dr. Aury Lopes Jr., a regra prevista no art. 385 do Código de Processo Penal viola o sistema acusatório constitucional, pois segundo seu ensinamento: “O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo Ministério Público mediante o exercício da pretensão acusatória. Logo, o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória, isto é o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém.”

O ensinamento do Dr. Aury está perfeito, e nos filiamos ao seu pensamento, pois a sentença condenatória que contraria o pedido de absolvição do Ministério Público viola dentre outros princípios, o do contraditório, uma vez que a sentença deve ser fundada nas provas do processo, sendo que se o Parquet requereu a absolvição, por óbvio não foi capaz de produzir as provas necessárias para a condenação, sendo que a sentença em contrário será no mínimo incongruente.

Alias, esta parece ser a sina do direito penal brasileiro, incongruências, vícios processuais não reconhecidos e toda a sorte de arbitrariedades mesmo que sejam asseguradas pela lei, que nos remetem de volta ao medievo.

O sistema acusatório, muito embora alguns juristas insistam em não o reconhecer como sistema processual penal vigente, é de longe o mais adequado, pois estabelece os seus atores e delimita as funções de cada um, sendo que o poder estatal de punir é claramente bipartido, cabendo ao Ministério Público, acusar e ao juiz imparcial, resta julgar conforme o seu livre entendimento desde que debruçado sobre as provas produzidas nos autos do processo. Ora, se as provas demonstram a inocência do réu, não restará ao julgador outra alternativa senão, absolve-lo, quando assim requerer o titular absoluto da ação penal pública incondicional, o Ministério Público.