Há semanas atrás escrevemos um artigo sobre como o direito penal incide em diversas outras áreas do direito, como o civil, comercial, tributário e direito de família. Ver https://rodrigoreisadvogados.com.br/a-incidencia-do-direito-penal-nos-contratos-de-aluguel-e-a-sua-ineficacia-e-incompatibilidade-com-a-ideia-de-direito-penal-minimo/

A única prisão civil atualmente prevista no nosso ordenamento jurídico é a prisão do devedor contumaz de alimentos, sendo que esta prisão é prevista justamente para constranger o devedor a pagar os alimentos a quem é devido.

Pois bem, com o início da Pandemia do COVID-19 e a instauração do Estado de Calamidade Pública que perdura até hoje, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação nº 62/2020, onde no art. 6ª é previsto a prisão domiciliar do devedor de alimentos ao invés da prisão convencional.

Tanto o STJ como a maioria dos magistrados de primeiras e segundas instâncias estão seguindo essa recomendação, o que pode causar uma certa sensação de descontentamento e injustiça por parte de quem recebe os alimentos. Afinal, o devedor não pagou o devido e ainda gozará do conforto do seu lar ao invés de enfrentar as agruras do cárcere.

No entanto, a prisão domiciliar não é estado puro de liberdade, sendo que a mesma continuará restringida, mesmo que de forma suave.

É que toda a vez que o magistrado decreta uma prisão domiciliar ele impõe também várias outras medidas restritivas, tais como a proibição de uso da internet, comunicação externa e logicamente a proibição de sair de casa em qualquer horário.

Se o  Estado tem condições de fiscalizar esse tipo de prisão? Acho muito difícil, pois mal tem condições de gerenciar as prisões convencionais.

O mais importante é saber que a prisão domiciliar não isenta o devedor de pagar o que deve, pois mesmo que o tempo de prisão seja delimitado, e ainda que a pensão não tenha sido paga mesmo com o devedor preso, ainda haverá meios de executá-la e eventual parcelas vencidas após a soltura, ensejará outra ordem de prisão.

E mais, está muito claro que as recomendações do CNJ e o posicionamento jurisprudencial só perdurará durante a pandemia, não acredito que esta prática irá se tornar padrão no judiciário, ou seja, assim que o COVID se for, voltará as prisões convencionais para os devedores.

Dito isso, sempre achei as prisões civis por dívida de alimentos um exagero e completamente dispensável diante da possibilidade de imediata restrição de bens do devedor.

Isto porque, neste caso, como muitas vezes é utilizada a prisão preventiva no processo penal, o cárcere serve como instrumento de imposição de medo, algo quase medieval na nossa prática forense.

Sempre me perguntei por que o juiz não decreta outras medidas coercitivas (art.319 do CPP) ao invés da prisão, pois tais medidas talvez fossem muito mais eficientes, já que haveria uma restrição parcial de liberdade, mas nada tão extremo quanto o total encarceramento.

Inclusive não vejo muito sentido em prender um devedor de alimentos, pois estando preso, como vai conseguir trabalhar para gerar renda e pagar o que deve?

Enfim, o certo mesmo é que o COVID vai passar (assim esperamos) e que a prisão domiciliar para o devedor de alimentos não deverá se tornar o “novo normal”, devendo retornar em breve o velho procedimento de prisão convencional.