Há 8 (oito) anos foi editada a Resolução 213 do CNJ que introduziu a audiência de custódia no sistema judicial brasileiro, definindo que toda a pessoa presa em flagrante deverá ser apresentada à autoridade judicial no prazo de 24 horas a partir da comunicação do flagrante.
Mais tarde, já em 2019 foi editada a Lei 13.964 que alterou o art. 310 do Código de Processo Penal, legalizando a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia, tornando-a obrigatória, para apresentar o preso em flagrante, no prazo de 24 horas após a prisão.
O que ficou determinado em uma audiência de custódia que o juiz poderá fazer:
- Relaxar a prisão em flagrante, se for ilegal;
- Converter a prisão em flagrante, em preventiva se for requerida pela autoridade policial, Ministério Público ou pela vítima, desde que estejam presentes os requisitos legais;
- Conceder a liberdade provisória com ou sem fiança.
No princípio, quando da sua concepção pela Resolução 213 do CNJ, o juiz poderia apenas verificar as condições da prisão, principalmente aferir se houve algum excesso ou truculência por parte da polícia. A Resolução de fato nasceu com esse espírito, com o intuito de diminuir os casos de tortura e abusos de autoridade, quando da efetivação da prisão em flagrante.
No entanto, com o passar dos anos adveio a legislação, aperfeiçoando o procedimento, para que o juiz, na audiência de custódia, possa já analisar as condições legais objetivas e subjetivas da prisão, para decretar prisão preventiva e conceder liberdade provisória.
O que mudou nos últimos 8 anos com a lei de audiência de custódia?
É possível perceber que nos últimos 8 (oito) anos, teve, de fato, um declínio das conversões de prisão em flagrante em prisão preventiva, aproximadamente 14% (quatorze por cento). Ainda é pouco, mas seguramente é um avanço, considerando que o sistema criminal brasileiro é extremamente punitivista!
É inegável que a realização da audiência de custódia, trouxe um pouco mais de humanismo para o processo penal, ainda que timidamente, os juízes têm a oportunidade de avaliar as condições da prisão e do próprio réu, cara a cara, antes de mandá-lo para o sistema prisional através da prisão preventiva, que é sim um instrumento de uso subvertido pelo poder judiciário.
Na audiência de custódia, ainda que não se possa trabalhar o mérito, nem determinar culpa ou inocência, é fato que o ato pré-processual oportuniza a defesa do preso, fazer alegações a seu favor, pelo menos quanto a possibilidade o acusado responder o processo em liberdade.
A função do advogado ou defensor público em uma audiência de custódia
Para tanto, é fundamental que o advogado ou defensor público esteja bem-preparado para acostar documentação (comprovante de endereço, trabalho ou estudo, certidão de nascimento de filhos quando houver), e outros capazes de comprovar que o preso não oferece risco à sociedade ou ao processo, em detrimento da liberdade.
O mapa criminal do Brasil demonstra que a grande maioria dos crimes praticados no país é, nessa ordem: tráfico de drogas e crimes patrimoniais. Quanto ao tráfico, o mesmo é tipo penal sem violência ou grave ameaça, e em relação aos crimes patrimoniais, a grande maioria em se tratando de furtos (muitas vezes famélicos) também não tem em seu núcleo a violência ou grave ameaça, impossibilitando que a prisão preventiva seja decretada apenas com base no crime praticado pelo acusado.
Ainda que a realidade nos mostre o contrário, é inegável que apesar de ínfima, houve sim uma redução de prisões ilegais, arbitrárias e eivadas de excessos e abuso de autoridade, e este foi um grande avanço trazida pela audiência de custódia.
O outro avanço, esse sim notável, é a maior atenção dada pelo judiciário às prisões em flagrante, analisando-as logo após a sua efetivação, e oportunizando tanto ao Ministério Público, quanto a defesa fazerem os seus requerimentos prévios em relação a própria prisão, sem adentrar no mérito dos fatos, o que possibilita uma chance maior do acusado responder o processo em liberdade.
Desta forma, é de muita importância que a audiência de custódia seja acompanhada por advogado especializado e com experiência na área criminal, pois é preciso estar atento para fazer os requerimentos pertinentes, sobretudo o pedido de liberdade.
Na prática, o ideal é que antes da audiência de custódia seja juntado os documentos no processo junto com o pedido de liberdade provisória para que o juiz tenha uma chance de analisar previamente, um pouco antes da realização do ato.
Claro que o advogado criminalista pode e deve formular seus requerimentos na própria audiência, mas a boa prática sugere que os documentos e o requerimento escrito e mais elaborado sejam juntados um pouco antes, para instigar o julgador, restando para o defensor apenas reforçar os pedidos pertinentes na audiência de custódia.
Evidentemente há muito o que se avançar ainda em matéria de processo penal no Brasil, um país agarrado à tradições punitivistas e ultrapassadas, com uma seletividade penal absurda, onde pessoas pobres, negras e sem acesso a educação e saúde de qualidade, são os “clientes” preferenciais do sistema criminal brasileiro.
Porém, é inegável que a audiência de custódia, junto com demais providências como por exemplo a nova Lei de Abuso de Autoridade, contribuiu para a diminuição (pequena, é verdade) de prisões ilegais, oportunizando a todos os atores processuais (juiz, promotor e advogado) a se debruçar sobre a necessidade da prisão preventiva, logo após o flagrante delito.
Por fim, é preciso aperfeiçoar o instituto da audiência de custódia para que seja cumprida dentro do prazo legal (atualmente o prazo de 24 horas não é cumprido pela maioria dos juízes, alguns inclusive dispensa de forma ilegal a audiência), bem como estendê-la para os casos onde há mandado de prisão preventiva, para que nesses casos seja aferidos sob quais condições este prisão foi cumprida, e se foi efetuada dentro da legalidade.
Quanto ao advogado criminalista, este deve estar sempre atento para que perder a chance de desempenhar o melhor trabalho possível para o acusado, começando por uma boa assistência na audiência de custódia.
Veja Também: