Em tempos em que precisamos dizer o óbvio todos os dias, desde já ressalto que o presente artigo NÃO TEM COMO OBJETIVO, ensinar as pessoas a lavar dinheiro, e tampouco instigar a qualquer prática criminosa. Muito pelo contrário, o texto pretende esclarecer que é possível trabalhar uma defesa criminal técnica e eficaz, usando meios lícitos de provas construídas a partir da prevenção do crime de lavagem.
Antes de tudo é preciso entender a constituição do crime em si, já que se trata de um tipo penal complexo composto por três fases distintas, lembrando que para configurar o crime de lavagem de dinheiro, a acusação precisa necessariamente demonstrar que houve um crime antecedente ao ato da lavagem, pelo qual se tenha obtido ilicitamente vantagem financeira ou patrimonial.
Aliás, nunca é demais transcrever o conceito do crime de Lavagem de Dinheiro: “É uma prática econômico-financeira que têm por finalidade dissimular ou esconder a origem ilícita de determinados ativos financeiros ou bens patrimoniais, obtidos de forma ilegal, de forma que tais ativos aparentem uma origem lícita ou que, pelo menos, a origem ilícita seja difícil de demonstrar ou provar”.
Para configurar o crime de lavagem de dinheiro é preciso concluir três etapas distintas, caso contrário não existirá o delito. São elas:
1ª – A inclusão dos ativos obtidos por meios ilícitos no sistema financeiro.
Nesta etapa quem comete o delito antecedente procura inserir, quase sempre através de bancos, os ganhos ilícitos obtidos com a atividade criminosa, dando a aparência de legitimidade a estes ativos. Uma técnica de lavagem bem comum, é a pulverização destes ativos através de diversos depósitos de pequenas quantidades de dinheiro feitas por diversas pessoas físicas em várias contas bancárias diferentes, o chamado “smurfing”. No entanto, com a sofisticação das técnicas de lavagem de capitais, cada vez mais é comum o procedimento de compras de bens de luxo, imóveis, moedas, ouro e até mesmo criptomoedas.
2ª – A ocultação da origem dos ganhos ilícitos (camuflagem).
Aqui, o agente procura dificultar o rastreamento da origem dos ganhos ilícitos. É nessa etapa que se dá a lavagem de dinheiro propriamente dita, é onde são “eleitos” os “laranjas”, sejam pessoas físicas ou jurídicas para dar a aparência de que os recursos foram obtidos por meios legítimos. Uma técnica bastante utilizada é a abertura de empresas em nome de terceiros (laranjas) onde são alocados os recursos obtidos com os crimes perpetrados, inclusive com elaboração de balanços contábeis falsos, tudo com o objetivo de esconder a verdadeira origem dos recursos. Uma outra prática de lavagem que vem sendo bastante utilizada é através de ONG´s e Fundações sem fins lucrativos, onde a ocultação do dinheiro se faz através de doações.
3ª – Integralização formal dos recursos no sistema financeiro.
Nesta última etapa, se consolida a operação da lavagem de dinheiro, pois os recursos obtidos por meio de práticas criminosas já estão devidamente formalizados no sistema financeiro, sendo quase impossível o seu rastreamento. Uma prática usual dos criminosos é a simulação de empréstimos tomados por empresas de fachadas junto a instituições bancárias de paraísos fiscais. É nessa etapa que as empresas laranjas realizam as suas operações de compra e venda de ativos, pois em tese, já estão com a aparência de legalidade. É muito difícil identificar a lavagem de dinheiro nesta etapa.
E como fazer uma defesa eficiente quando o Ministério Público denunciar o crime de lavagem de dinheiro?
A Prevenção continua sendo a principal ferramenta de combate ao crime de lavagem, pois através desse processo é possível antever possíveis riscos de práticas criminosas dentro das organizações empresariais, e a documentação e o tratamento desses riscos embasarão a defesa criminal, caso os sócios ou diretores dessa empresa venham a responder pelo delito de lavagem de capitais.
É importante ressaltar que a empresa não responde pelo crime de lavagem de dinheiro, mas sim os seus sócios, diretores, gerentes ou prepostos que forem identificados como agentes delitivos. Por isso que é importante ressaltar a Prevenção de Lavagem de Dinheiro como ferramenta corporativa, que vai certamente ajudar na elaboração da defesa técnica em um eventual processo criminal.
É preciso pensar em oito passos para prevenir lavagem de dinheiro:
1 – REVISÃO DE LEIS E NORMATIVAS:
A primeira coisa a ser feita é revisar e conhecer a fundo toda a legislação e normativas aplicadas ao seu mercado, em especial é claro a Lei 9.613/98 (Lei Antilavagem) com suas atualizações e as normativas do COAF, do BACEN e dos órgãos reguladores da sua atividade econômica.
Pode parecer óbvio, mas o primeiro passo para respeitar e se adequar à lei, é conhece-la.
2 – MAPEAMENTO DE RISCOS:
A sua empresa deve elaborar processos para definir os riscos da suscetibilidade do seu cliente ao envolvimento com a lavagem de dinheiro. Normalmente a maneira mais prática é através de formulários com um questionário que tem como objetivo conhecer o cliente, os seus sócios e os seus parceiros de negócio. Após, com a obtenção das respostas no questionário, faz-se a tabulação destas informações e a classificação de riscos desta empresa, e conforme a sua classificação, serão tomadas as medidas pré-definidas para a prevenção dos riscos identificados.
3 – ELABORAR MANUAIS PARA ATENDER AS POLÍTICAS INSTITUCIONAIS:
Você deverá criar manuais de Prevenção de Lavagem de Dinheiro e estabelecer regras para cada processo necessário para atender as políticas de prevenção, tais como:
- Conheça o seu colaborador;
- Conheça os seus parceiros de negócio, terceiros e fornecedores;
- Conheça o seu cliente;
- Identifique Pessoas Politicamente Expostas.
Cada processo acima elencado é de suma importância para a prevenção de lavagem de dinheiro, nenhuma delas deve ser ignorada ou mal elaborada, pois se assim for, enfraquecerá o seus Sistema de PLD-FT.
4 – IMPLEMENTAÇÃO DE CONTROLES PARA DUE DILIGENCE:
A Due Diligence é um dos pilares mais importantes não só no Programa de Compliance mas também do Sistema de Prevenção de Lavagem de Dinheiro.
A dica nesta etapa é elaborar ferramentas de controle de acordo com a complexidade do seu negócio, para não engessar ou burocratizar demasiadamente os seus processos. A maneira mais comum e eficaz de realizar uma boa Due Diligence é através de formulários com questionários respondidos pelo cliente, que serão checados pela pessoa responsável na sua empresa, e rotineiramente checar as informações in loco, como endereços e visitação de empresas (quando for o caso). Peça sempre, pelo menos o último balanço da empresa, assim como Declaração de Imposto de Renda dos sócios, e inventário patrimonial. É necessário também o levantamento de certidões de idoneidade que são facilmente emitidas pelos sites dos Tribunais de Justiça, Federal e do Trabalho, assim como certidão de idoneidade fiscal emitidas pelas Secretarias da Fazenda Estaduais e Municipais.
5 – SE NECESSÁRIO, INVISTA EM SOFWARES DE GESTÃO DE PROCESSOS:
Existem diversos produtos no mercado que prometem e muitos entregam uma ferramenta eficaz de gestão de PLD-FT. No entanto, só vale a pena investir nessa ferramenta se a sua demanda é muito alta e você não conta com muitas pessoas para fazer o trabalho de prevenção. O bom e velho Excel em conjunto com um sistema de formulários, vai resolver a sua demanda, principalmente se a sua empresa for de pequeno porte. Caso você não queira ter uma equipe de funcionários dedicados para a prevenção de lavagem de dinheiro e também não pretenda investir em automatização deste processo através da compra de software, uma saída economicamente viável é terceirizar o processo de PLD-FT. Essa solução, dependendo do caso, pode ser a mais adequada para a sua empresa.
6 – DIVULGAR AMPLAMENTE O SEU SISTEMA DE PROGRAMA DE PLD-FT:
A comunicação deve ser um pilar forte no seu Sistema de PLD-FT. É importantíssimo que todas as pessoas que estejam envolvidas de alguma forma com a sua empresa saibam que ela está engajada com a prevenção e lavagem de dinheiro, não somente por uma questão legal-obrigacional, mas também por incorporar os valores de ética, transparência e compromisso com a bandeira antilavagem. Exponha no site da empresa os seus manuais de Compliance, PLD, assim como documente todos os seus processos utilizados no sistema de PLD-FT.
7 – TREINE A SUA EQUIPE:
O treinamento das equipes deve ser consistente e periódico, não só para reforçar a cultura de Prevenção de Lavagem de Dinheiro, mas também para engajar as pessoas na correta operacionalização deste sistema. Lembre-se que mesmo que o colaborador não esteja envolvido diretamente com os processos, ele deve pelo menos conhecer as políticas Antilavagem e estar engajado com o compromisso assumido pela empresa.
8 – IMPLEMENTE PELO MENOS ESTES CONTROLES:
O seu Sistema de PLD-FT deve estar adequado à complexidade da sua empresa, assim como às exigências regulatórias do próprio mercado que ela está inserida. Por isso alguns controles não podem faltar. São eles:
- Cadastro de Clientes;
- Registros de todas as operações;
- Comunicação de operações suspeitas ao COAF;
- Atualização constante de listas impeditivas de Pessoas Politicamente Expostas;
- Monitoramento de operações e recursos dos clientes;
- Avaliação dos seus produtos/serviços sob o prisma do Compliance.
Se você conseguir implementar esses oito passos de Prevenção de Lavagem de Dinheiro na sua empresa, será muito difícil que em algum momento você ou seus sócios venham a responder um processo criminal dessa natureza.
Porém, se ainda assim, vier a investigação ou a denúncia criminal, implementando essas ferramentas vocês terá uma base forte para se defender das acusações, já que possivelmente conseguirá identificar as causas da prática delitiva, poderá colaborar com as autoridades, se for a caso, e ainda terá chances de construir uma prova defensiva robusta capaz de contribuir para um resultado positivo na ação penal.