Todos nós assistimos estarrecidos, os acontecimentos do dia 19/11/2020, nas dependências do hipermercado Carrefour em Porto Alegre. Cenas de barbárie, desrespeito a vida humana, em razão de revide desproporcional, e da raça da vítima (ainda não comprovado no Inquérito Policial).
Muito embora a autoridade policial que está a frente do caso, não tenha constatado até a data de hoje (23/11/2020) que as agressões que causaram a morte de João Alberto se deram por motivações raciais, é inegável que existe sim um racismo estrutural na nossa sociedade, mesmo que muitos de nós, infelizmente ainda insistem em negar essa brutal realidade.
E o que o Compliance tem a ver com os fatos acontecidos e com o racismo estrutural? Absolutamente tudo!
Não é de hoje que pregamos a necessidade de toda e qualquer organização, independente do seguimento e tamanho, adotar um Programa de Compliance eficiente, que seja capaz de blindar a empresa contra riscos legais e danos reputacionais.
E mais do que isso, só o Compliance pode através das ferramentas que oferece, promover uma cultura de ética empresarial que envolve diversos vetores, desde a inclusão de gêneros, passando pela redução de desigualdades de qualquer natureza, inclusive o reforço da cultura ao antirracismo!
Se é uma verdade que o racismo está enraizado na nossa cultura (não adianta negar), também é verdade que o caso Carrefour poderia ter sido evitado, caso naquela empresa o Compliance fosse realmente uma prioridade.
Naquele triste caso, dois pilares do Compliance seriam úteis para prevenir a tragédia:
O primeiro, e o mais importante, é o Pilar do Treinamento. Não existe Programa de Compliance, sem o constante treinamento das equipes.
A cultura da ética, das políticas de compliance, o reforço do antirracismo, dos direitos humanos, da redução de desigualdades, devem ser reforçados diuturnamente para que sejam assimilados e difundidos. Os exemplos devem vir da Alta Direção, e o discurso de ética deve estar alinhado em todos os níveis da organização.
No “caso Carrefour”, pelos vídeos amplamente veiculados pela imprensa e nas redes sociais, nota-se a total falta de capacidade técnica dos envolvidos para lidar com a situação, mesmo que no papel, sejam profissionais treinados, fica evidenciado que na verdade, não demonstraram o conhecimento necessário para resolver aquela intercorrência, sendo que a falta de treinamento, de empatia e da total ausência de consideração pela vida humana, culminaram no fatal desfecho.
É preciso que as empresas invistam com seriedade em treinamentos que reforcem as Políticas de Compliance. Não basta a realização daquele treinamento anual protocolar para atender matriz de capacitação, mas sim, tais políticas devem ser reforçada quase que diariamente.
Lembro quando trabalhei em uma Multinacional, onde todos os dias tínhamos uma reunião de no máximo 15 minutos no início da jornada de trabalho, para reforçar as políticas de segurança de trabalho da empresa, chama-se DDS (Diálogos Diários de Segurança), e essa simples prática, efetivamente mudou o sendo de prioridade das equipes quando o assunto era a Segurança do Trabalho.
Foi de um dia para o outro? É claro que não! Aculturamento de equipes leva um certo tempo, por isso é importante que se tenha objetividade e repetitividade, para que as pessoas adquiram o hábito de pensar em políticas de compliance, adicionando essas práticas não só na sua vida profissional, mas na pessoal também, afinal não há mais como separar uma da outra.
Evidentemente o Carrefour até o momento não demonstrou essa capacidade, pois em menos de dois anos é a terceira intercorrência grave que acontece no Brasil, pelo menos que sejam de conhecimento do grande público.
Quem lembra do caso da cachorrinha Manchinha, do Carrefour de Osasco? Ou, do caso do corpo do funcionário escondido por guarda-sol para que a loja não fechasse, em Recife, também em uma Loja do Carrefour?
São casos conhecidos, e todos, independente do grau de gravidade, demonstram algo em comum, a falta de treinamento dos funcionários em políticas de integridade, e o despreparo dessas pessoas, não só como funcionários, mas como seres humanos.
Ah, mas irão dizer que em dois casos (morte da cachorrinha e morte do João Alberto) não eram funcionários do Carrefour, mas sim funcionários tercerizados de empresa de segurança. Ora, o fato de serem funcionários terceirizados envolvidos não interessa nem um pouco, pois é aí que entra o Pilar da Due Diligence.
Diversas vezes já escrevi aqui no blog a importância de conhecer os parceiros de negócio, principalmente fornecedores, que devem estar alinhados com a cultura da empresa adquirente dos serviços e produtos.
É de suma importância que se exija dos fornecedores que mantenham um Programas de Compliance efetivo e que estejam alinhados com a cultura da empresa tomadora de serviços.
A Due Diligence é a ferramenta adequada para aferir a idoneidade das empresas e pessoas, antes mesmo de contratá-las. Se bem executada, é capaz de prevenir incidentes com alto impacto de dano a imagem, como foi o caso do Carrefour.
Não queremos comparar o incomparável, uma vida em razão da imagem de uma empresa. Esse tipo de comparação jamais será coerente, em qualquer contexto que for utilizado.
O foco que pretendemos dar com esse artigo, é justamente o quanto as empresas ainda estão atrasadas em relação a humanização dos seus negócios. As ferramentas existem, não são fáceis de implementá-las, mas ainda há muita resistência do empresariado, que de forma equivocada insistem em enxergar o Compliance como um custo e não como um ganho.
Ah, mas o custo de ter um Programa de Compliance é elevado. Pois bem, então pergunto: – Quanto custa uma vida? Quanto custa recuperar a imagem danificada? Quanto custa não ter compliance?
O Carrefour, por ser uma multinacional, provavelmente irá se recuperar dos danos reputacionais causados pelo trágico incidente.
A sua empresa se recuperaria se estivesse envolvida num caso dessa mesma gravidade?
Por fim, resta mais do que evidenciado que sim, existe racismo estrutural e ele está enraizado na nossa sociedade desde sempre, e devemos lutar para que haja essa disruptura o quanto antes. Ademais, também pode-se concluir que o Compliance no Carrefour não é uma prioridade, tendo em vista as reiteradas intercorrências que aconteceram em um curto espaço de tempo, que demonstra a incapacidade da empresa em demonstrar empatia, humanização e organização de sua estrutura.
Depois que o dano é causado, depois que a vida é violada ou ceifada, pouco adianta fazer uma nota de repúdio para o público, ainda mais quando falta essência às palavras.
Seja ético, seja humano, seja compliance, promova uma cultura verdadeiramente ética em todos os sentidos e em todos os ambientes da sua empresa e verdadeiramente contribua para uma sociedade mais justa, livre de racismo e de desigualdades de qualquer natureza.