Já faz algum tempo que venho falando para meus clientes pessoas jurídicas sobre a importância de ter a gestão da prova em se tratando de processo penal, pois diferentemente do que aprendemos nos bancos acadêmicos, atualmente os tribunais vêm relativizando a presunção de inocência, ideia diferente do que se tinha.
Na graduação e na especialização aprendemos que em se tratando de processo penal, a presunção de inocência é absoluta, ou seja, o réu só é considerado culpado após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Além disso aprendemos também que a carga probatória é de quem acusa, no caso das ações públicas condicionadas e incondicionadas, cabe ao Ministério Público produzir as provas lícitas que servirão para alcançar o objetivo da condenação.
Desta forma caberia ao advogado apenas defender seu cliente das acusações de forma passiva, rebatendo a prova produzida quase sempre na fase preliminar do processo, qual seja a do Inquérito Policial, independentemente da tese defensiva escolhida no caso concreto.
Infelizmente não é bem assim! Primeiro, porque a presunção de inocência vem sendo relativizada pelos Tribunais, principalmente após o julgamento do HC 126.292, no Supremo Tribunal Federal, firmando assim o atual entendimento de que a pena pode ser executada provisoriamente após o julgamento em segunda instância e que a presunção de inocência é relativa e não é bem uma garantia constitucional, para o desalento daqueles que defendem a constituição e as garantias processuais.
Porém, quem atua nas trincheiras do processo penal, no dia-a-dia forense, bem sabe que na prática o modelo inúmeras vezes utilizado pelo judiciário não é necessariamente o acusatório, mas sim o inquisitório. Todos os dias temos amostras disso, seja pela mídia, ou nos recantos dos Tribunais, país afora.
No entanto, com o advento do Provimento 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, foi regulamentada a atividade de investigação defensiva, desenvolvida pelo advogado com o sem assistência de consultor técnico.
A investigação defensiva ou interna como é conhecida, é atividade corriqueira em escritórios de advocacia bem aparelhados que se lançam na defesa de clientes corporativos, não sendo necessariamente uma grande novidade.
A inovação se dá justamente com a regulamentação, tornando a atividade investigativa com fins específicos previstos no Provimento, privativa do advogado, podendo este ser assistido ou não, por consultor técnico.
É importante ressaltar que quando se fala aqui em “gestão da prova” de maneira alguma se pretende incentivar as empresas e seus gestores ou até mesmo pessoas físicas a destruir, ocultar ou desvirtuar provas advindas da prática de qualquer ilícito penal, muito pelo contrário.
O que se busca com a investigação defensiva, em última análise, é a colaboração com eventual investigação realizada apelos órgãos oficiais competentes como as polícias e o próprio Ministério Público e a antecipação à prática do crime, assim como a produção de provas capazes de inocentar ou abrandar uma eventual pena que venha a ser imposta após a persecução penal.
Se antes tínhamos aquela visão em que a defesa criminal deveria aguardar os acontecimentos investigatórios e processuais, agora o advogado precisa se antecipar a esses atos, produzindo provas lícitas capazes de favorecer o seu cliente, conforme exemplifica o rol do art. 3ª do Provimento 188/2018, senão vejamos:
Art. 3ª – A investigação defensiva, sem prejuízo a outras finalidades, orienta-se, especificamente, para a produção de prova para emprego em:
I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito;
II – rejeição do recebimento da denúncia ou queixa;
III – resposta a acusação;
IV – pedido de medidas cautelares;
V – defesa em ação penal pública ou privada;
VI – razões de recurso;
VII – revisão criminal;
VIII – habeas corpus;
IX – proposta de acordo de colaboração premiada;
X – proposta de acordo de leniência;
XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.
A produção de provas pela defesa antes mesmo do início do processo penal não garante que o acusado será absolvido de eventuais acusações, mas é capaz de trazer diretrizes estratégicas a defesa, que poderá s e antecipar às acusações e pleitear um melhor resultado podendo inclusive culminar com a absolvição.
Em tempo, a regulamentação da investigação defensiva é muito bem vinda e deve agregar valor às boas práticas de Compliance das empresas, que deverão unir esforços com os departamentos jurídicos e os consultores criminalistas para atingir o melhor resultado possível no processo penal.
Por fim, mais uma vez é imperioso dizer que a gestão da prova e sua produção em prol do cliente não se presta a ser ferramenta de fraude ou impunidade, mas sim busca equilibrar a dilação probatória no âmbito processual, tendo em vista que via de regra o Ministério Público não produz provas para a absolvição do acusado, mas sim para a sua condenação, ainda que o papel do Parquet, não seja necessariamente a de buscar a condenação a qualquer custo.
Assim, a participação ativa do advogado de defesa na produção de provas proporcionará ao julgador uma visão mais realística dos fatos, capazes de fazê-lo tomar a decisão mais justa seja pela condenação ou absolvição do acusado.
Autor: Rodrigo Reis Gonçalves, advogado criminal e especialista em Compliance.