As boas práticas de compliance parecem uma realidade distante dos condomínios residenciais. Afinal de contas, apesar de terem um CNPJ, um gestor (síndico) e muitas vezes um conselho administrativo ou consultivo, os condomínios não são empresas.
Para que não haja dúvidas, é preciso destacar a natureza jurídica do condomínio edilício, como um ente que não exerce atividade econômica com ou sem fins lucrativos, se tratando na verdade de uma instituição de copropriedade, ou seja, cada condômino exerce o direito individual de propriedade ou uso de uma unidade (apartamento ou sala comercial), e ao mesmo tempo compartilha a propriedade e o uso das áreas comuns.
Ainda que não tenha natureza empresarial, fato é que o condomínio gerencia recursos financeiros angariados pelo pagamento de quotas condominiais e contrata serviços, esporádicos ou não, dependendo da complexidade do próprio condomínio em tamanho e estrutura.
É justamente neste ponto, gestão de recursos e contratação de serviços, que notamos um certo amadorismo na administração de condomínios, principalmente quanto ao gerenciamento de contratos, onde pesa a ausência de boas práticas de compliance, seja por falta de conhecimento técnico do síndico (é o mais comum) ou pela desídia e desinteresse em gerir com profissionalismo os recursos disponíveis.
No entanto, a ausência de compliance pode colocar o condomínio em apuros, principalmente quando a gestão de contratos não é feita adequadamente ou sequer é feita de alguma forma. É bastante comum, e eu pessoalmente já ouvi de alguns síndicos, que eles contratam serviços de terceiros justamente para não se incomodar, e que os contratados, devem ser responsabilizados por qualquer má conduta advinda da prestação de serviços, e não o condomínio.
Esse é um equívoco bastante comum, e sempre quando está presente, acaba expondo o condomínio a toda sorte de litígios judiciais, principalmente em se tratando de contencioso trabalhista.
Isto porque, apesar do Supremo Tribunal Federal ter firmado entendimento pela constitucionalidade da Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), principalmente quanto a possibilidade de terceirização de serviços sem que haja vínculo de emprego entre funcionários da prestadora com a empresa tomadora dos serviços, ainda assim, o Supremo fixou a tese de que não está afastada a responsabilidade subsidiária quando a empresa prestadora dos serviços, comete qualquer irregularidade na relação de trabalho com o empregado.
Na prática, se a empresa terceirizada deixar de cumprir as regras trabalhistas com os seus empregados, tais como deixar de pagar corretamente salários, horas-extras, férias, 13º salário e verbas rescisórias, o condomínio contratante, arcará integralmente com essa responsabilidade.
Se existe esse risco eminente, como o condomínio pode evitá-lo ou mitigá-lo, utilizando boas práticas de compliance?
Sempre sustentei que um Programa de Compliance deve ser o mais simples possível. Só faz sentido implementar um sistema complexo, se a operação for absurdamente complexa, o que convenhamos está longe de ser o caso de um condomínio residencial.
Quanto mais simples for o processo, tanto melhor, mas sem abandonar as formalidades necessárias para que a ferramenta funcione adequadamente.
Em se tratando da relação com as empresas prestadoras de serviço, especialmente àquelas de prestação contínua, como por exemplo serviços de portaria e limpeza, que são os mais comuns em um condomínio edilício, é preciso gerenciar o contrato, aplicando técnicas de auditoria, com o objetivo de averiguar se a empresa em questão está cumprindo com suas obrigações trabalhistas diante seus empregados.
Esta auditoria passa necessariamente por quatro etapas:
1ª – Averiguação de documentos;
2ª – Averiguação da realidade dos fatos;
3ª – Pesquisa de clima entre os funcionários terceirizados;
4ª – Plano de ação para corrigir os problemas encontrados.
A averiguação de documentos nada mais é do que a checagem da documentação inerente a relação de trabalho entre a empresa terceirizada e seus funcionários. Estamos falando aqui de extratos de recolhimento de FGTS, INSS, registro de horários, contracheques e recibos de pagamento, fichas de EPIS, comprovação de treinamentos.
Neste caso, o síndico ou responsável deverá solicitar periodicamente (recomendo que seja no mínimo trimestralmente e no máximo semestralmente) uma amostragem desta documentação, de todos os funcionários, com o objetivo de comprovar que as exigências legais trabalhistas e previdenciárias mínimas estejam sendo cumpridas.
É recomendado que este processo seja realizado através de um formulário de checklist, e seja devidamente documentado, fazendo parte da rotina do gestor do condomínio.
Averiguação da realidade dos fatos é o processo de verificação da rotina dos trabalhadores terceirizados, se eles cumprem realmente o horário que está sendo registrado, se a empresa paga as horas-extras corretamente, se o colaborador está recebendo e usando EPI´s e o uniforme de forma gratuita, se está tendo horário de almoço adequado.
Nesta parte do processo é recomendado que de tempos em tempos se faça uma auditoria surpresa nas rotinas de trabalho dos empregados terceirizados para verificar se o que está documentado pela empresa terceirizada, acontece na realidade.
Já a pesquisa de clima com os colaboradores terceirizados, nada mais é do que a formalização daquele bate-papo com os funcionários para saber como anda a relação deles com a contratante.
Esta etapa do processo de auditoria é uma das mais importantes, pois normalmente quando as coisas não vão bem com a empresa terceirizada, isso reflete diretamente no comportamento dos colaboradores.
É preciso saber se os funcionários estão sendo tratados de forma correta, se os salários estão sendo pagos em dia e conforme a legislação e se há alguma alteração de comportamento dos sócios da empresa terceirizada para com os funcionários.
Por fim, o plano de ação para mitigar e prevenir os problemas e riscos encontrados na auditoria conclui o processo, para que possam ser tomadas providências e corrigir os problemas encontrados. Sempre lembrando que o plano de ação deve ser devidamente documentado e gerenciado para que de fato tenha efetividade. Aqui podemos utilizar o modelo do PDCA para gerir as ações competentes.
Ainda que a medição da qualidade do serviço prestado pelas terceirizadas também seja um indicativo importante para a gestão do contrato, este não é o tema deste artigo, pois o foco aqui é dar algumas diretrizes para evitar demandas judiciais, principalmente no tocante às relações trabalhistas.
O certo é que com a implementação de um processo de auditoria do contrato de prestação de serviços. com base em boas práticas de compliance, é possível prevenir o impacto financeiro causado por passivos trabalhistas, pois com antecedência o síndico ou o gestor do condomínio será capaz de corrigir equívocos e no mínimo demonstrar em juízo que estava gerenciando corretamente o contrato, o que pode evitar uma condenação subsidiária.
Neste caso, eu entendo que se a tomadora de serviços fiscalizada o contrato de trabalho, não será surpreendida com alguma prática obscura da empresa terceirizada, por exemplo, falsificação de documentos, sendo possível afastar a responsabilidade subsidiária, pois é entendimento da jurisprudência dominante que esta responsabilidade só é imposta quando for constatada a negligência da tomadora de serviços, o que acontece na maioria dos casos.
Portanto vale a pena implementar esse pequeno processo de compliance (auditoria e gestão de contrato com terceiros) para dirimir e mitigar riscos trabalhistas no condomínio.