Ainda lembro do tempo da faculdade, lá no início dos anos 2000, onde debatíamos nas aulas de Processo Penal II, salvo engano, qual seria a razoável duração da prisão preventiva.
Ora, o ordenamento jurídico brasileiro, pelo que eu tenha conhecimento, nunca delimitou um prazo legal para o encarceramento provisório do acusado.
No entanto, lembro dos ensinamentos do doutrinador Tourinho Filho, que junto com outros, tentaram estimar um “prazo” para essa espécie de prisão e chegaram a conclusão que o tempo adequado do cárcere preventivo seria de 81 dias.
Na época, os respeitáveis doutrinadores concluíram por esse número somando os prazos das etapas processuais da seguinte forma: “inquérito”: 10 dias; denúncia: 5 dias; defesa prévia:; inquirição de testemunhas; requerimento de diligências; para despacho do requerimento: 10 dias ; alegações das partes: 6 dias; diligências ex officio: 5 dias; sentença: 20 dias, totalizando então os 81 dias.
Claro, estamos falando de doutrina e jurisprudência de quase 20 anos, sendo que alguns prazos no processo penal mudaram, e outros nunca foram cumpridos conforme a determinação da lei, principalmente aqueles de devem ser de oficio do poder judiciário.
Pois bem, recentemente com mais uma mudança na nossa “colcha de retalhos” chamada Código de Processo Penal, houve mais uma significativa mudança nos procedimentos das prisões cautelares.
O novo art. 316, garante ao acusado preso preventivamente, que o juiz decretou a prisão, a revise no período de 90 dias, objetivando verificar se os pressupostos que ensejaram a prisão, permanecem hígidas ou não.
O legislador imaginou que se o juiz pudesse revisar os pressupostos da prisão a cada 90 dias, acabaria o magistrado tendo uma melhor condição de verificar os atuais pressupostos da cautelar e dependendo do estado do processo, poderia até mesmo revogar a prisão se fosse o caso.
No imaginário popular, a prisão preventiva é necessária sempre quando alguém é apontado como autor de um delito, e segundo o senso comum, quanto mais grave for o crime mais imediata e longa deverá ser a prisão, se possível para sempre, mas sem antes ser precedida por espancamento, tortura e degradação do acusado. Afinal, bandido bom é bandido morto, de preferência que a morte seja acompanhada de bastante sofrimento.
No entanto, não só no Brasil, mas em quase todos os países que se submetem ao Estado Democrático de Direito, a prisão preventiva serve (ou deveria servir) para o acautelamento do processo, ou seja para garantir que o processo transcorra de forma eficaz na preservação de provas, na garantia da execução da pena caso haja fortíssimas evidências do cometimento do crime pelo agente preso, normalmente esta prova é evidenciada no momento do flagrante delito ou pela confissão espontânea do acusado.
De outro modo, a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação de pena punitiva de liberdade (mas é), não pode ser usada para atender anseios populares (mas é) e não pode servir ao propósito do crescente ativismo judicial (mas serve).
No caso do julgamento do HC 191.836 pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 15/10/2020, “Caso André do Rap”, o Min. Marco Aurélio fez uma leitura estritamente positivista do art. 316 do Código de Processo Penal, e por suas razões concedeu a Ordem em Habeas Corpus para que o acusado fosse solto.
Penso que o Min. Marco Aurélio não mandou soltar o acusado André do Rap por compactuar com os crimes a ele imputados, mas sim porque os juízes de piso, seja do primeiro grau ou do segundo grau, não se debruçaram sobre o caso e não revisaram a necessidade da prisão, se contrário fosse, com certeza a Ordem do Habeas Corpus seria denegada.
De outro modo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ampla maioria, revogou a liminar concedida e denegou a Ordem por 9 votos a 1, firmando entendimento de que o exaurimento do prazo de 90 dias sem a apreciação dos autuais pressupostos para manter ou não a prisão, não é requisito imediato de soltura do acusado.
Na minha opinião, o art. 316 do CPP se tornou “letra morta da lei” uma vez que na prática os juízes não irão atende-la, após o salvo conduto concedido pelo Supremo. E digo isso por que no dia a dia do processo penal, a prisão preventiva já é tratada como antecipação da penal, de forma absurda e normal pelo judiciário (de modo geral, salvo pouquíssimos magistrados), é quase como se fosse uma obrigação do juiz decretar a prisão, pois do contrário enfrentaria uma reprovação social (como se precisasse dela para manter o seu cargo).
Por fim, advogo a posição de que a prisão preventiva deve servir apenas aso fins de proteção processual, fora isso ela é arbitrária e ilegal. (Já escrevi sobre isso diversas vezes).
No caso do acusado André do Rap, entendo que o Min. Marco Aurélio poderia ter concedido parcialmente o Habeas Corpus para ordenar ao Tribunal de Origem que fizesse uma análise sobre a permanência dos pressupostos usados como fundamento da prisão preventiva, ao invés de imediatamente revoga-la, talvez assim não tivesse ocorrido tanto desgaste entre os Ministros e tanto debate infrutífero e sensacionalista proporcionado, ora pela mídia, ora pelos “juristas formados pelas redes sociais” de plantão, havidos por expelir a sua ignorância sobre a matéria.